Por Alan Camara
Este artigo, o primeiro de uma série que será publicado neste blog, tem o objetivo de avaliar numa perspectiva histórica e comparativa, os acontecimentos políticos e culturais dos últimos 23 anos de Búzios como município. A intenção é utilizar fontes, como jornais, fotografias, documentos oficiais, personagens, eventos, entre outros, observando as mudanças culturais e políticas que aconteceram durante este período e compará-las com o cenário atual. Este artigo, por exemplo, utiliza como fonte, uma entrevista publicada no Jornal O Perú Molhado feita com o arquiteto Octávio Raja Gabaglia, em junho de 1996, alguns meses após a emancipação de Búzios.
Às vésperas das eleições de outubro de 1996, Búzios se preparava para eleger seu primeiro prefeito e sua primeira câmara de vereadores. A cidade ainda respirava os ares de sua independência político-administrativa de Cabo Frio — em 12 de novembro de 1995 – e vivia, o que se pode chamar “os anos dourados” da história de Búzios. Havia no imaginário coletivo do buziano a idealização de uma cidade próspera, que finalmente seria capaz de decidir sobre seus rumos sem a interferência dos políticos cabo-frienses.
Alguns nomes começavam a surgir como expoentes da nova política buziana, ora porque participaram do processo emancipatório, ora porque já se destacavam como políticos tradicionais. Um deles, Octávio Raja Gabaglia, conhecido popularmente como Otavinho, uma das figuras mais importantes da política local naquele período. Otavinho foi eleito representante de Búzios como vereador em Cabo Frio (1983-1988) e por ter exercido seu mandato nos anos que eclodiram os movimentos emancipacionistas, figurou como personagem importante dentro do processo. Otavinho era vereador quando foi entregue à Câmara de vereadores de Cabo Frio, em 1985, o “Manifesto dos Oito”, documento redigido por um grupo de entusiastas emancipacionistas, considerado um dos primeiros passos que levaria à emancipação. Otavinho foi eleito como vereador nas eleições de 3 de outubro de 1996 e teve seu mandato cassado por dupla filiação partidária, assunto que será mais detalhado em outra oportunidade.
Otavinho era figura recorrente na imprensa buziana, especialmente no Jornal O Perú Molhado, que lhe dedicava periodicamente páginas para entrevistas ou opiniões, nas quais tinha por hábito analisar incisivamente as personagens e os cenários da política, naquele período, ainda em estágio embrionário de formação. Por ter sido figura importante no processo urbanístico da cidade — sua formação é arquitetura —, numa conjuntura na qual a simplicidade intelectual era predominante e, consequentemente, até certo ponto, ausente de outras vozes que pudessem refutar suas ideias e conceitos, Otavinho construiu durante os anos o status de principal formador de opinião para assuntos da política e da cidade.
Suas críticas, ilustradas por metáforas de cunho urbanísticas, direcionadas aos pretendentes a cargos públicos, mais especificamente aos candidatos a vereadores que proliferavam por todos os lados, ainda estão completamente atualizadas, não por clarividência, mas pelo cenário político buziano não ter sido alterado em nada nesses 23 anos de emancipação. Nas palavras de Otavinho: “Nós temos candidatos, candidatos a candidatos, mas ninguém diz ao que veio.”
“Nós contra eles”
É interessante observar nos jornais do período as dúvidas e os anseios do cidadão buziano em relação aos rumos que o novo município parecia tomar. A emancipação político-administrativa se deu como resultado da união de todas as camadas da sociedade e juntou classes sociais diferentes num mesmo objetivo.
Após a vitória do “SIM”, em 12 de novembro de 1995, essas classes retornaram às suas posições originais e cada uma tratou de projetar seus interesses no novo município. Foi nesse contexto que o sentimento do “nós contra eles” começou a ser percebido, inicialmente no campo político-partidário, depois, nas relações sociais entre os “nativos e forasteiros”, que enxergavam horizontes diferentes para Búzios.
Em 1996, o buziano ainda caminhava na lama e caia nos buracos. A cidade não tinha 20% de sua malha viária pavimentada e esta era uma das principais urgências para que o município pudesse dar seus primeiros passos em solo seco. Isso pode ser observado na entrevista em que Otavinho usa de suas metáforas para comparar o custo do vereador e do paralelepípedo: “Você sabe quanto custa um vereador para Búzios, só em custo direto? Só estou falando do salário que ele recebe, nada de telefone, assessor? 54 metros de rua calçada, com 5 metros e meio de largura, em paralelepípedo, por mês. Então, 600 m2 de paralelo por ano.”
Em 2019 um vereador buziano custa aos cofres públicos 7.429,95 reais mensais, sem contar assessores, celulares e penduricalhos que recebe. Por ano, o custo de um vereador em Búzios chega a 96.589,35 reais. O preço do metro quadrado de paralelepípedo, segundo tabela 2019 da EMOP (Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro) é de 80 reais. Seguindo o raciocínio de Otavinho, somente o salário anual de um vereador de Búzios em 2019 permitiria ao município pavimentar 1.200m2 de paralelepípedo: uma rua!
A câmara de vereadores de Búzios não representa o cidadão
Atualmente pavimentação deixou de ser uma necessidade urgente. Apesar de não ter a malha viária pavimentada em sua totalidade, vias importantes já foram contempladas. Porém, novos obstáculos surgiram, especialmente no que diz respeito à probidade com a coisa pública, e fizeram aumentar antigos problemas, especialmente na educação e na saúde. Nesse ponto, o papel do vereador como fiscalizador dos atos do Executivo é de fundamental importância.
Nos 23 anos de emancipação, com excessão de alguns lampejos, a atuação dos vereadores não desmentiu as palavras de Otavinho. A câmara de vereadores de Búzios sempre atuou no “limite seco” no que diz respeito ao padrão de atuação institucional esperado, ou seja, muito abaixo do nível de satisfação no qual o cidadão se sente representado.
Numa análise simples, o Legislativo buziano é uma instituição que se omite de sua principal função: fiscalizar; corrigir as ações do Executivo, quando essas se desviam de seu curso correto e lícito. Por exemplo, ao contrário do que se pensa, é graças à atuação efetiva da Câmara que processos traumáticos, como impeachment, podem ser evitados. Quando há independência do Legislativo, e isso se traduz em fiscalização do Executivo, o cidadão é posto na posição central dessa relação.