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domingo, 4 de outubro de 2020

Búzios é o exemplo vivo, ou morto, da ocupação que Ricardo Salles planeja



Resorts sobre os manguezais, o lucro rápido de uma meia dúzia em troca do prejuízo eterno de milhões, ou seja, terra arrasada

Eu devia ter uns dez anos quando aceitei passar um feriadão acampada com tios e primos em Búzios. Búzios, na época, ainda era Búzios.

Metemos duas barracas da Mesbla na Kombi do meu pai, junto com a tralha, que incluía uma privada de madeira construída pelo meu avô marceneiro, para que mantivéssemos as comodidades do lar. O acampamento cigano foi erguido no canto de uma João Fernandes ainda selvagem.

Exaustos da viagem, arrochamos a boca de fogão num botijão, a fim de cozinhar o macarrão com Pomarola da janta. Não deu um minuto, o barulho agudo do vazamento resultou num cheiro insuportável de gás. “Vai explodir!”, gritou meu tio, enquanto tentava evitar a tragédia.

Passado o susto, engolimos a gororoba, lavando pratos e dentes na espuma da arrebentação. Não lembro o que fizemos com os sacos plásticos das necessidades, ajustados ao trono do meu avô. Temo confessar que os jogamos no mato, como se o mato fosse dar cabo deles.

Eu me lembro, sim, de cair amontoada no quartinho de tela num calor de rachar e de ser acordada por um primo que enchera a cara e acabou vomitando nos pés dos ocupantes da sala do château de náilon.

Assim que o dia raiou, carente de paz e privacidade, inflei o bote de plástico e passei a sexta, o sábado e o domingo a boiar na marola, sem blusa, chapéu ou filtro. Ignorávamos o risco de melanoma naqueles idos de 1975. No caminho de volta, notei o contraste entre o roxo da pele e o branco da marca do biquíni. A queimadura levaria um mês para sarar.

Trauma de infância, nunca mais acampei e nem senti falta de acampar.

Eu levaria duas décadas para retornar à Armação dos Búzios. Dessa vez, nada de farofa. O pai de um namorado possuía uma casa linda, no centro da Ferradura, cujo jardim terminava num muro sobre a areia. A maré alta engolia a beira-mar e me pareceu estranho que uma praia pública pudesse ser loteada de maneira tão privée.

Pela manhã, despertei com o roncar das lanchas.

Não só a areia da Ferradura fora privatizada, como o espelho d’água liberado para todo o tipo de esportes aquáticos. Banana boats, motos aquáticas e embarcações variadas zanzavam como moscas no plácido oceano, ameaçando banhistas, afugentando peixes e arruinando o que Deus criara.

No apagar das luzes do segundo milênio, os dois penhascos que fecham a entrada da exuberante enseada ainda restavam intactos, mas os grandes resorts já negociavam as encostas recobertas de vegetação nativa, animais rasteiros e ninhos de pássaros.

Eu levaria outros 20 anos para retornar ao Éden de Brigitte Bardot. Foi em setembro, agora, no meu aniversário de 55 anos.

A engarrafada via de mão dupla que dá acesso à península sempre foi horrenda, mas piorou com a idade. O comércio de casas feias quintuplicou o número de restaurantes, supermercados, postos de gasolina e agências de turismo. Um não acabar de néons, reclames e outdoors vendendo o que não mais existe.

Minto.

A praia dos Ossos ainda guarda a memória do antigo encanto. A igrejinha do século 18, protetora dos baleeiros, continua lá, mas o resto foi entregue à especulação imobiliária.

Condomínios inteiros avançam sobre as demais praias. Boates bregas, pistas de minikart e pombais batizados de hotéis, onde antes respiravam dunas. Quase nenhum vestígio da paisagem agreste.

A praia da Tartaruga foi tomada por botecões estilo favela. Enormes barracas de compensado e concreto, com mesas que se alastram em direção ao mar. Um festival de latas de cerveja, garrafas, copos de plástico e guimbas meio fumadas.

Búzios é o exemplo vivo, ou morto, da ocupação predatória que Ricardo Salles, o antiministro do Meio Ambiente, planeja para o que sobrou do Brasil.

Resorts com piscinas de cloro sobre os manguezais que alimentam a vida marinha e a nossa. O lucro rápido de uma meia dúzia, em troca do prejuízo eterno de milhões.

Extrativismo. Queima de riquezas irrecuperáveis. Terra arrasada.

Minha família jamais deveria ter acampado em João Fernandes; o pai do meu namorado não poderia ter fincado sua casa na areia da Ferradura e nem as malocas-bares destruído a beleza da Tartaruga.

Você pode desculpar os adultos da década de 1970 por não besuntarem as crianças com filtro solar. E perdoar a falta de consciência ecológica e planejamento urbanístico dos anos 1980 e até 1990.

Em 2020, é crime! É crime, Ricardo Salles. Minha solidariedade à juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que tentou barrar essa boiada. Pena que durou pouco.

sábado, 4 de julho de 2020

"A MOENDA" - Equipamentos da Cultura Buziana II

Ilustração com bico de pena: Alan Camara

A “moenda” era um equipamento artesanal utilizado pelos antigos buzianos para extrair o caldo da cana. Diferente do “SUBACO”, equipamento mais rudimentar, a moenda exigia habilidades de um carpinteiro para construí-la e somente famílias mais abastadas tinham condições de ter uma em seu quintal.
Para fabricá-la, o carpinteiro não utilizava qualquer ferramenta mais sofisticada além do serrote e da plaina manual. Após sua construção, as bases da moenda eram enterradas numa profundidade suficiente para manter sua estrutura firme durante o funcionamento.
Para extrair o caldo eram necessárias duas pessoas - cada uma de um lado - para fazer girar a engrenagem e espremer a cana; o caldo extraído descia pelo cilindro de madeira, caia numa calha improvisada com partes de uma lata de banha (gordura de porco utilizada para cozinhar) e escorria para a vasilha.
O caldo servia tanto para beber puro quanto para misturá-lo ao café.

sábado, 27 de junho de 2020

"SUBACA" - Equipamentos da Cultura Buziana

Ilustração feita com bico de pena (Alan Camara)



Estou trabalhando numa série de desenhos feitos com bico de pena que ilustra alguns equipamentos artesanais usados pelos antigos moradores de Búzios.

A "subaca" era um equipamento artesanal utilizado para extrair o caldo da cana. Usava-se um pedaço de madeira ou um tronco de árvore com um sulco de espessura suficiente para encaixar a haste, pressionar a cana e extrair o caldo.

O caldo era misturado ao café e dava um sabor especial. Posteriormente irei detalhar o processo e deixar uma receita 

Que tal os restaurantes de Búzios incluírem o "café buziano" em seus cardápios?

segunda-feira, 22 de junho de 2020

A vida e o legado de Luiz Gama, herói da liberdade

Luiz Gama (c. 1860)



Por Irapuã Santana 
Publicado no caderno Estado da Arte - Jornal Estadão (21 de junho de 2020)

“Eu disse, uma vez, que a escravidão nacional nunca havia produzido um Terêncio, um Epitecto, ou sequer, um Spártaco. Há, agora, uma exceção a fazer: a escravidão, entre nós, produziu Luiz Gama, que teve muito de Terêncio, de Epitecto e de Spártaco”. [1]
Sílvio Romero

Uma criança negra livre é vendida para quitar uma dívida de jogo de seu pai, consegue a alforria, estuda Direito e consegue libertar mais de quinhentas pessoas escravizadas.

É roteiro de filme hollywoodiano, mas sua origem é real e bem brasileira. Ela começa em Salvador, Bahia, em 21 de junho de 1830, quando nasceu Luiz Gonzaga Pinto da Gama.

Jornalista, poeta, advogado e um ativista incansável na luta contra o regime escravocrata, Luiz Gama deveria estar entre as figuras mais conhecidas da história brasileira, como um dos maiores, senão o maior, símbolo dessa época. No entanto, apesar de um grande potencial de transmissão de sua mensagem à frente, diante da quantidade de documentos históricos à nossa disposição, bem como por se tratar de um passado relativamente recente, pouca gente conhece a história desse verdadeiro herói.

Assim, estas poucas linhas são uma singela tentativa de fazer justiça à memória desse grande personagem brasileiro.

Filho de Luiza Mahin, uma negra africana livre, com um fidalgo de origem portuguesa de uma das principais famílias baianas, cujo nome se desconhece, Luiz Gama, com apenas dez anos de idade foi vendido como escravo por seu pai.

Ao desembarcar no porto de Santos, subiu a serra – descalço e faminto – até Campinas. Para se ter uma ideia, o Google Maps, hoje em dia, coloca a distância entre as duas cidades como equivalente a 175 km, com, no mínimo, 37h de caminhada. Imagine isso em 1840, em condições precárias, no meio da mata fechada, para uma criança de apenas dez anos de idade.

Com dezessete anos, Gama conheceu um jovem rapaz que lhe ensinou a ler e escrever, bem como matemática e alguns conhecimentos humanistas. Aos dezoito, começou a reunir provas de que sua situação de escravizado era completamente ilegal, tendo ciência de que seu pai e sua mãe gozavam de ampla liberdade.

Pediu que seu então senhor lhe desse a alforria. Sem sucesso.

Luiz Gama, então, fugiu para São Paulo, na posse das provas de que nascera livre, quando passou a servir às forças armadas até 1854. Em 1856, foi nomeado escrevente da Secretaria de Polícia, onde se aproximou de José Bonifácio e iniciou seus estudos de Direito por sua própria conta.

A literatura serviu para Luiz Gama como passaporte para os círculos sociais mais altos, tendo como sua obra mais proeminente de poesia “As Primeiras Trovas Burlescas”, de 1859.



A poesia Quem Sou Eu?, popularmente chamada de Bodarrada, talvez seja uma das mais conhecidas das Primeiras trovas burlescas. Nela, Gama traça um autorretrato:

“Faço versos, não vate, digo muito disparate. Mas só rendo obediência à virtude, à inteligência: eis aqui o Getulino…”.

O nome “Bodarrada” vem da palavra “bode”, que, na gíria da época significa mulato, negro. Assim, Luiz Gama indagava:

“Se negro sou, ou sou bode, pouco importa. O que isto pode?”

E terminava sua poesia dizendo:

“Haja paz, haja alegria, folgue e brinque a bodaria. Cesse, pois, a matinada, porque tudo é Bodarrada!”. [2]


Em 1868, Gama foi expulso da polícia por ser considerado baderneiro, por conta de sua atuação junto ao Partido Liberal à época. Foi nesse ínterim que se consolidou a figura do ativista liberal abolicionista. Enquanto se preparava juridicamente sozinho, por ter sido rejeitado pelos colegas e professores de faculdade, escrevia para inúmeros jornais: O Diabo Coxo, O Cabrião, O Polichinelo, O Coaraci e, mais tarde, O Radical Paulistano, entre outros. Sob pseudônimos, tecia grandes críticas à sociedade escravagista e à política do regime monárquico.

Diabo Coxo (dez/1864), fundado por Gama e Angelo Agostini.


Dez anos depois da primeira edição das Primeiras trovas burlescas, o jornalista liberal tinha a audácia de jogar os refletores, de condenar a incompetência, a ignorância e a corrupção dos juízes da província, insolência que lhe valeu tanto perseguições políticas quanto notoriedade. Quer pelo humor, quer pela seriedade, as palavras de Luiz Gama deviam ter um peso insuportável para os doutores, alvos prediletos do julgamento por parte do insolente ex-escravo, ex-analfabeto e autodidata sem diploma, o que lhe conferia uma certa superioridade e, por que não dizer, uma indisfarçada autoestima.”[3]

Embora mereçam nota, o servidor público, o poeta e o jornalista formam apenas uma introdução do legado de Luiz Gama, enquanto advogado – apesar de apenas ter sido reconhecido como tal pela OAB somente cento e trinta e três anos após sua morte. Até então, atuava como rábula.

Luiz Gama utilizava toda sua formação moral e jurídica como instrumento de luta nos tribunais, na imprensa, nos parlatórios e onde mais sua voz pudesse ecoar pela vinda da sonhada liberdade a todos os escravizados.

A Lei Feijó, de 1831, foi muito invocada por nosso herói. Ela é conhecida por ser uma das grandes responsáveis pelo surgimento da expressão “pra inglês ver”. Ela declarava “livres todos os escravos vindos de fôra do Imperio” e impunha “penas aos importadores dos mesmos escravos”. No entanto, como não havia intenção de materialização desse objetivo, o tráfico negreiro continuou sem qualquer restrição.

Mas Luiz Gama, munido de provas de que a pessoa havia aportado no país após essa data, vinda da África, conseguia nos tribunais sua alforria, em vitórias magníficas. Uma das histórias mais contundentes e elucidativas de como atuava em seu cotidiano é a que segue:

………..

Entrou-lhe um dia, pelo escritório adentro, um negro que desejava libertar-se e que ia entregar-lhe o montante do pecúlio necessário para que Gama tratasse de alforriá-lo. Enquanto o preto expunha o seu caso, aparece o senhor, que por sinal era amigo do advogado. Estava visivelmente inquieto, triste, abatido. E entrando em explicações, pergunta ao negro por que pretende abandoná-lo, a ele que sempre lhe dera trato e carinho iguais aos de seus filhos.

– Por que queres deixar-me, abandonando o cativeiro de um homem bom como tenho sido, arriscando-te a seres infeliz quando estiveres sozinho pela vida?

O escravo não respondia. Não tinha o que reclamar, pois o amo fora sempre, mais que humano, solícito e bondoso. O senhor não se conformava com a atitude do escravo:

– Por que me abandonas? Que é que te falta lá em casa? Dize… fala…

– Falta-lhe – interveio Luiz Gama, dando uma palmada no ombro do preto – falta-lhe o direito de ser infeliz onde, quando e como queira!

E libertou o negro.[4]

…………………

Nosso personagem histórico variava seus argumentos das mais diversas formas possíveis para defender seus clientes. Uma fala que entrou para a eternidade e levou o real significado da liberdade para Luiz Gama ocorreu quando defendia um negro escravizado que havia matado seu senhor: Todo escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata em legítima defesa.[5]

Foi com essas atuações que o ex-escravo conseguiu libertar mais de quinhentas pessoas escravizadas durante sua vida.

……………..

Em 24 de agosto de 1882, morre Luiz Gama. Conta-se que 10% da população de São Paulo esteve presente no seu velório e enterro. Infelizmente, apesar de seus grandes feitos, muito pouca informação sobre Luiz Gama é disseminada no Brasil.

Inscrito no livro dos heróis nacionais em 16 de janeiro de 2018, e apesar de ter sido nomeado o patrono da abolição da escravatura no Brasil na mesma data, não vemos uma minissérie, um filme, dificilmente uma peça em seu nome com sua vida.

Os livros de história nos colégios tratam o dia de hoje como uma data em que pessoas brancas concederam a liberdade a pessoas negras e apagam o fato de que personagens heroicos lutaram com suas vidas para que a sonhada liberdade chegasse a todos.

Em nossas mãos está a obra de Luiz Gama, uma pessoa que fez da sua vida um ensinamento, que dedicou a sua vida à causa abolicionista.

Nós temos o potencial de ser o seu legado, levando sua palavra adiante, não o deixando cair no esquecimento, em sua vivência e em sua mais forte essência. Temos o potencial de fazer isso ressignificando o 13 de maio, que deve ser entendido como uma data de lembranças das narrativas corretas, dos contos de quem passou por todas as etapas da vida se dedicando à liberdade e à igualdade de fato.

Um novo 13 de maio deve ser fundado no país, tendo como base a obra e o legado de Luiz Gonzaga Pinto da Gama.

domingo, 21 de junho de 2020

História: Búzios nos mapas




Búzios, 1839 (Arquivo nacional)



Búzios, 1939 (Arquivo nacional)



Búzios, 1940 (Arquivo nacional)



Búzios, 1949 (Arquivo nacional)


segunda-feira, 15 de junho de 2020

Brás de Pina: da Princesinha da Leopoldina à Armação dos Búzios

A ilustração retrata o momento da caça da baleia em Búzios no séc. XVIII
Arte: Alan Camara


Até a construção da Avenida Brasil, na década de 1940, suas terras alcançavam a Baía de Guanabara e sua história cruza com a da cidade de Armação dos Búzios, no litoral fluminense. Ambos os lugares têm nome e povoamento relacionados ao Visconde de Brás de Pina, filho de nobres portugueses nascido no Brasil e um dos grandes empreendedores da capitania do Rio de Janeiro, na primeira metade do século XVIII.

As terras hoje ocupadas pelo bairro carioca eram de sua propriedade. Nelas, eram produzidos açúcar e aguardente, artigo bastante procurado pelos traficantes negreiros da cidade da época, por ser uma das principais moedas de troca por escravos, na África. Mas a principal atividade de Brás de Pina não era a de senhor de engenho e sim a de contratador de pesca da baleia. Ele foi a primeira pessoa da capitania a obter concessão para manufaturar os produtos oriundos do cetáceo, como o óleo, o espermacete e a barbatana, ampla e respectivamente utilizados na iluminação das ruas e das residências, na fabricação de velas e na confecção do vestuário feminino, entre outros usos.

Eram manufaturas produzidas nas armações que o visconde mantinha em Búzios, na região de Cabo Frio, e na área urbana do Rio, nas proximidades da Candelária, onde também construiu um porto para embarcação das mercadorias provenientes de seus negócios. O Cais de Brás de Pina era, em toda a cidade, o único feito de pedra. Provavelmente, por causa de sua localização e estrutura foi escolhido para se transformar no porto oficial de embarque do ouro vindo das Minas Gerais, motivo pelo qual passou a ser denominado de Cais dos Mineiros. Com isso, a armação localizada na área urbana do Rio acabou desativada, aumentando a importância da que havia em Búzios, até 1765, quando terminou sua concessão de contratador da pesca da baleia. Já o porto do visconde se tornou o principal do Rio de Janeiro por mais de um século e meio.


A fazenda de Brás de Pina ficava situada na maior e mais próspera freguesia rural do Rio, a de Nossa Senhora da Apresentação do Irajá. Além do engenho e da residência, havia uma capela, a de Nossa Senhora da Conceição, citada em documento histórico como “das melhores do Recôncavo”, expressão usada pelos setecentistas para chamar as terras no entorno da Baía de Guanabara.

As ruínas do engenho ainda eram visíveis em meados do século XX. Em 1917, foram usadas como cenário do primeiro filme policial brasileiro, intitulado A quadrilha do esqueleto, segundo o jornal A Noite de 17 de fevereiro de 1940. Sob os grossos paredões de pedra das construções havia corredores subterrâneos. Ainda no século XVIII, o engenho de Brás de Pina foi adquirido por D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas de Castelo Branco, que se tornou bispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro, durante o período colonial.

Com sua morte, a propriedade foi repassada para herdeiros. Em meados do século XIX, a antiga fazenda já estava dividida em grandes glebas pertencentes a várias famílias, entre elas os Gama, os Ene e os Lobo. Posteriormente, parte das terras de Brás de Pina e áreas circunvizinhas foi comprada pelos Guinle.

Com a inauguração, em 1886, da Estrada de Ferro do Norte (incorporada em 1898 pela Leopoldina Railway Company) – interligando São Francisco Xavier a Meriti –, o crescimento da região se acelerou e os bairros que integram a atual Zona da Leopoldina começaram a tomar forma. A Estação de Brás de Pina foi inaugurada em 1910 e, na década seguinte, a Cia. Imobiliária Kosmos, de propriedade dos Guinle, inaugurou a Vila Guanabara, inspirada no projeto inglês das cidades-jardins. Com ruas planejadas, casas em estilo colonial e muitas árvores, a estratégia de venda comparava o empreendimento à Vila Ipanema. O projeto ainda incluía um centro comercial ao lado da linha férrea e um espaço para a vida social: o Guanabara Tennis Clube, atual Brás de Pina Country Club. Em 1929, a Cia. ainda entregou aos moradores a Igreja de Santa Cecília. Não demorou muito para o novo bairro ficar conhecido como Princesinha da Leopoldina.

Texto da página
https://www.facebook.com/descortinandorio/



domingo, 14 de junho de 2020

Búzios não tem plano “B”

Aviso afixado num loja da Turíbio de Farias, rua nobre do Centro de Búzios


Do ponto de vista sócio-cultural podemos dividir Búzios em duas eras: antes e após Brigitte Bardot (1964). A própria atriz em sua biografia lamenta que após sua estadia na pacata comunidade de pescadores Búzios tenha se tornado, em suas palavras, uma espécie de “Saint Tropez” dos trópicos.  Não se iludam, a atriz fez a comparação em tom depreciativo. 


Deixando os aspectos culturais para outra oportunidade, a economia buziana, antes baseada na pesca e na agricultura de subsistência viu surgir uma nova matriz econômica: o turismo. Nos anos que se passaram, a pesca e a agricultura sucumbiram ao novo modelo e uma nova geração de renda fez Búzios ir ao infinito e além.


No entanto, no decorrer das décadas a cidade prosperou, mas prosperou mal — se é possível esse paradoxo. Não foi pensado, tanto pela iniciativa privada quanto pelo poder público, outras alternativas que pudessem gerar novas matrizes econômicas, e dessa forma, nos tornamos refém de uma industria próspera, porém, exposta à crises econômicas; as mais recentes na Argentina e no Chile, nossos principais mercados. Não bastasse isso, temos outro desafio diante de nós: a pandemia. Sob um ângulo local. a covid-19 levou a economia buziana à lona, afetou todos os segmentos possíveis e como no “Boxe” abriu contagem: 1,2,3,4,5… E se chegarmos a 10?  


"Não é momento para mensagens motivacionais postadas no facebook diariamente que servem somente para adormecer o senso crítico do eleitor"


Para sintetizar, é necessário uma nova revolução econômica em Búzios. Os candidatos a prefeito precisam tratar esse tema como prioridade e buscarem alternativas para gerar uma nova onda na economia buziana. O eleitor, o ator fundamental nesse processo, precisa cobrar dos pré-candidatos, planos concretos para Búzios nos próximos anos. Não é momento para mensagens motivacionais postadas no facebook diariamente que servem somente para adormecer o senso crítico do eleitor, é preciso mais. É urgente apresentar um plano para a cidade e especialmente mostrar as pessoas que estão em torno dessa ideia.



sexta-feira, 12 de junho de 2020

Búzios, 1959: “Há uma terrível epidemia no terceiro distrito” - diz vereador


Arte: Alan Câmara
Aquarela sobre papel: Alan Camara



Por Alan Câmara
Trecho do livro que estou trabalhando sobre Búzios antes de Brigiite Bardot

[...] Desprovida de qualquer estrutura de saúde, Búzios dependia de Cabo Frio, município-mãe, para suprir as demandas na saúde. Sem uma representação local do Poder Executivo, cabia ao vereador eleito pelo distrito intermediar junto à prefeitura as necessidades do povoado. Nos final dos anos de 1950, Búzios contava com dois representantes na Câmara de vereadores de Cabo frio, o vereador Jorge Paulo da Silva e Geminiano José Luiz — ambos buzianos — mas rivais políticos. Não obstante, Búzios enfrentava um grave surto de poliomielite que causou mortes e sequelas nas crianças da comunidade; segundo as palavras do vereador Geminiano José Luiz registradas em atas da Câmara Municipal, havia “uma terrível epidemia no terceiro distrito” e era urgente que a prefeitura disponibilizasse a *vacina “Salk” para aplicação nos recém-nascidos.

Sabe-se pelos registros da Câmara de Cabo Frio, nas palavras do presidente, à época, Jandyr Alves Cravo, que havia 200 doses da vacina disponíveis num posto de Saúde de Cabo Frio. Búzios contava com dois pequenos postos de saúde: um no bairro Rasa, outro em Manguinhos,  onde atualmente está a Escola José Bento Ribeiro Dantas. Ambos funcionavam precariamente, muitas vezes sem profissionais e sem insumos. Diante desse quadro, outras causas de mortalidade de adultos e crianças eram desconhecidas, e a ausência de médicos fazia com que as pessoas recorressem às “benzedeiras". Muitas pessoas adoeciam e morriam sem que a doença ou sua causa fossem identificadas, e por absoluto desconhecimento, diziam ser por morte “natural”. 



* A vacina Salk antipólio foi criada pelo médico americano Jonas Salk em 1953. A vacina combate o vírus que causa a paralisia e afeta principalmente crianças.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

A quarentena serviu para expor uma questão cultural em Búzios

Conversava com Toninho Português, ex-secretário de cultura de Búzios, entre outros assuntos, sobre a cultura buziana. As pessoas, envolvidas ou não com o tema, normalmente recorrem ao bordão "Precisamos resgatar a cultura buziana". Entretanto, fica uma questão primordial: onde está a cultura buziana para que seja resgatada?

Deixando de lado o processo imigratório das últimas décadas, que diluiu as características originais do que costumamos chamar de forma abstrata “cultura buziana”,  um dos fatores mais importantes e que contribuiu para desintegração cultural foram as concessões dadas a determinadas praticas comerciais que simplesmente ignoraram, sob o argumento do desenvolvimento econômico, a cultura e a história local.

Deixo como reflexão a belíssima cena que ilustra a situação: a quarentena serviu para expor uma questão cultural. A Praia do Canto, local histórico e estratégico para pesca artesanal com rede de arrasto viu retomar sua vocação original porque os pescadores e os peixes voltaram. Voltaram por quê? Será a ausência dos transatlânticos? Das escunas? Do tráfego intenso das lanchas?
Com as praias vazias, pescadores voltam a pescar com redes de arrasto

Os peixes voltaram

Foto antiga mostra pescadores na Praia do Canto após uma pescaria




Foto: Facebook José Cícero Souza e Marilene Silva