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domingo, 20 de janeiro de 2013

Nuvens - Por Oscar Niemeyer


Um artista é artista sempre. Quando desenha, cantarola, projeta ou escreve, a sensibilidade e a poesia estarão sempre presentes. Com Niemeyer acontece assim também. Talvez nem todos sabem, mas o arquiteto também escrevia. 

Veja abaixo a sensibilidade desse grande gênio num texto que descreve com poesia as formas e nuances que as nuvens produzem.


Por Oscar Niemeyer

Sempre que viajava de carro para Brasília minha distração era olhar as nuvens do céu. Quantas coisas inesperadas elas sugerem! Às vezes são catedrais enormes e misteriosas, as catedrais de Exupéry com certeza; outras vezes, guerreiros terríveis, carros romanos a cavalgarem pelos ares; outras ainda, monstros desconhecidos a correrem pelos ventos em louca disparada e, mais freqüentemente porque sempre as procurava, lindas e vaporosas mulheres recostadas nas nuvens, a sorrirem para mim dos espaços infinitos.

Mas logo tudo se transformava: as catedrais se desvaneciam em branco nevoeiro, os guerreiros viravam préstitos carnavalescos intermináveis; os monstros se escondiam em escuras cavernas, para surgirem adiante mais furiosos ainda, e as mulheres iam se esgarçando, se estendendo, transformadas em pássaros ou negras serpentes.

Muitas vezes pensei fotografar tudo isso, tão exatas eram as figuras que apareciam. Nunca o fiz.
Mas, sempre que viajo, olhar para as nuvens é a minha distração predileta, curioso, procurando decifrá-las como se estivesse em busca de uma boa e esperada mensagem. Naquele dia, porém, a visão foi mais surpreendente.

Era uma bela mulher, rosada como uma figura de Renoir. O rosto oval, os seios fartos, o ventre liso, e as pernas longas a se entrelaçarem nas nuvens brancas do céu.

E fiquei a olhá-la embevecido, com medo de que se diluísse de repente. Mas os ventos daquela tarde de verão me deviam estar ouvindo e durante muito tempo ela ali ficou a me olhar de longe, como a convidar-me para subir e com ela, entre as nuvens, brincar um pouco.

Mas o que temia tinha de acontecer. E pouco a pouco a minha namorada foi se diluindo, os braços se alongando com desespero, os seios a voarem como se destacando do corpo, as longas pernas se contorcendo em espiral, como se dali ela não quisesse sair. Só os olhos continuavam a me fitar, cada vez maiores, cheios de espanto e tristeza, quando uma nuvem maior, densa e negra, a levou para longe de mim.

E continuei a segui-la, inquieto, vendo-a lutar entre as nuvens que a envolviam, fustigada pela fúria dos ventos que a dilaceravam impiedosamente.

E senti como aquela metamorfose perversa se assemelhava ao nosso próprio destino, obrigados a nascer, crescer, lutar, morrer e desaparecer para sempre, como ocorria com aquela bela figura de mulher.

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